Reportagem associa tráfico de animais silvestres a práticas das religiões de matriz africana


"A píton real é, inclusive, o símbolo de uma divindade – Dan – sendo por isso sacralizada", explica a ANMA

Explícito ou disfarçado, o racismo assume várias formas, que permeiam todos os setores e camadas sociais. Ao longo do tempo, a mídia, controlada pelas elites conservadoras, reforça esse comportamento deplorável e inadmissível em relação ao povo negro. Depreciar o negro e toda e qualquer manifestação em que afrodescendente são protagonistas é parte de uma estratégia dominadora e perversa. Mais: mostra que o capital está nas mãos de ignorantes.

Às vésperas de o Supremo Tribunal Federal apreciar a constitucionalidade do abate tradicional pelos afrodescendentes, uma reportagem imputa aos negros a pecha de sacrificar animais selvagens em seus cultos religiosos. Mais uma, entre inúmeras, infâmias assacadas contra o povo negro. A reportagem da TV Globo mereceu rápida reação da Associação Nacional de Mídia Afro (ANMA), que rebateu os termos da matéria e confrontou a emissora para quaisquer esclarecimentos. 

Abaixo íntegra da carta e o link da reportagem

Rio de Janeiro, 05 de dezembro de 2016.
Ao
Diretor de Jornalismo do Fantástico
Sr. Luiz Nascimento

Prezados Senhores,
O jornal televisivo Fantástico, na edição do dia de 4/12/16, veiculou matéria intitulada: “Veja caça aos dez maiores traficantes de animais silvestres do Brasil” (http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2016/12/veja-caca-aos-dez-maiores-traficantes-de-animais-silvestres-do-brasil.html). Ocorre que a referida reportagem fez alusão ao fato de que um suposto Pai de Santo teria sido receptor de duas cobras (8:36’min.) ilegalmente remetidas pelos Correios, com a suspeita de que os referidos animais viriam a ser sacrificados. Vale dizer que o importante trabalho realizado pelo jornalista Edson Ferraz, ganha aqui contornos sensacionalistas, inclusive, com a imagem de um jogo de búzios, completamente fora do contexto.
No tocante ao caso, cumpre-nos esclarecer:
1 – As Religiões de Matrizes Africanas, há cerca de 10 mil anos, preservam e cultuam as expressões da natureza, inclusive aquelas existentes na fauna e flora, nas quais reconhecem a presença divina. Por isso, o respeito às mesmas significa o sentido de sua própria religiosidade;
2 – Não há sacrifício de qualquer espécie de ofídios, em nenhum rito tradicional das Religiões de Matrizes Africanas. Frise-se, que nos cultos originários das etnias ewe/fon (Nação Jeje), a píton real é, inclusive, o símbolo de uma divindade – Dan – sendo por isso sacralizada;
3 - Nas suas práticas rituais e litúrgicas, as Religiões de Matrizes Africanas e seus sacerdotes não praticam e não aceitam procedimentos que descumpram a legislação.
Distorções como estas apontadas no aludido programa, podem ser perigosos instrumentos do preconceito e da intolerância religiosa, que tanto precisamos abolir de nossa sociedade.
Diante do exposto, solicitamos que tais esclarecimentos sejam devidamente levados a público, no mesmo horário, tempo e programa.
A ANMA – Associação Nacional de Mídia Afro, tem por finalidade esclarecer as práticas religiosas e princípios teológicos das Religiões de Matrizes Africanas nos veículos de comunicação. Razão pela qual, ficamos ao inteiro dispor para quaisquer explicações que se façam necessárias.
Atenciosamente,
Márcio de Jagun
Presidente da ANMA.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Águas de Embu e a I Feira Afro Tradicional

Economia e cooperativismo de matriz africana

Artigo: Mãe Baiana e a moral do terror