Mais sagrado, mais saúde
Caruru, prato principal na homenagem às criança, elaborado com quiabo, camarão, dendê, castanha, coco e pouco sal |
O cardápio de oferendas da tradição africana é farto em grãos e hortaliças, com baixo teor de sal, mel, sem nada de açúcar refinado e contempla proteína animal. No sagrado, os pratos levam cebola, que é diurético, e dendê, que tem gordura insaturada no mesmo teor do óleo de coco, e calorias de qualquer azeite de origem vegetal. A comida é feita com energia — não é produção mecânica —, desde a colheita natureza até a conclusão do preparo.
“Nossa proposta é recuperar a tradição de que tudo é sagrado, compreendendo que tudo que é sagrado e está no cotidiano, deixando de lado males, como sal, açúcar e outros produtos, que comprometem a saúde”, defende a coordenadora-geral do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (Fonsanpotma), médica pediatra Regina Nogueira, a Kota Mulangí.
Quando a entidade desembarcar na 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, marcada para o período de 3 a 6 de novembro próximo, com essa visão estará levando em conta o cardápio construído pelos negros vítimas da diáspora.
No ambiente efervescente que aglutinará a diversidade e a pluralidade do Brasil, o Fonsanpotma mostrará a alimentação tradicional de matriz africana, a mesma que é compartilhada com a natureza, elaborada a partir de uma agropecuária que respeita os ecossistemas e que oferece produtos sem submeter a risco a vida de todos os seres.
De acordo com a coordenadora do Fórum, foi fácil chegar a esse conceito: ela conta que se lembrou dos ensinamentos de sua mameto Ndandalakta dentro do mato, que lhe indagou: “Vai colocar vela no pé da árvore? Ela tem luz própria. Você come vela? Se não, por que oferecer à natureza aquilo que a destrói?”.
Regina aprendeu e disseminou o ensinamento de Ndandalakta. E é essa atmosfera que traz o sagrado para a vida no mundo e nos orienta a ter relacionamento harmonioso com a natureza, fonte dos meios indispensáveis ao equilíbrio do bem maior de todos: a vida.
Doenças
Às vésperas da 5ª Conferência de SAN, o blog Tradição Africana (tradicaoafricana.blogspot.com) propôs a Regina Nogueira relacionar a alimentação dos povos tradicionais a doenças que, entre outras, preocupam especialistas: obesidade, diabetes e hipertensão. “Elas impactam a população brasileira, de forma contundente, os negros a negra, e na parcela dos que compõem o povo tradicional de matriz africana”, diz a médica.
Entre as diversas formas de reverenciar a natureza e as divindades de matriz africana, Regina ilustra a reflexão com a tradicional homenagem a Cosme e Damião, dedicada às crianças (vunji ou ibeji). Em uma concepção, aos pequeninos são oferecidas frutas e água, sendo o caruru (mistura de quiabo, camarão, dendê, castanha, coco e pouquíssimo sal) a alimentação principal. Em outra, o cardápio oferecido é diferente: cachorro quente — um composto de salsicha e pão, acrescido de molho de tomate, refrigerante, doces e salgadinhos. Tudo industrializado. E verifica-se que ambas as visões podem ocorrer no mesmo cenário da tradição africana.
Segundo Regina Nogueira, essa dicotomia é imposta pelo mercado. Ao mesmo tempo em que é servida alimentação industrializada e embalada segundo as práticas sujeitas a interferências danosas à saúde, também são oferecidos alimentos destinados às divindades, de acordo com os princípios tradicionais, que nos mantém vivos e permite interação entre o sagrado e o humano.
“O propósito é tornar os alimentos compartilhados com as divindades referência da dieta diária”, ou seja, acrescenta a médica: “Está na hora de o povo tradicional de matriz africana não ter uma alimentação tradicional apenas no culto ao sagrado — mas, sim, que tudo seja sacro, desde a produção até o consumo, sem implicar dor a qualquer servido —, mas de lutar para que esses alimentos façam parte do cotidiano”.
Tema acima é muito apropriado. Entendo que há a necessidade de analisar alguns hábitos alimentares adquiridos no Brasil em função da privação de liberdade no periodo colonial. O mais perverso é o uso do açúcar nos rituais, visto que na África não havia o hábito do seu consumo.
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