ONU lança, em Brasília, a Década Internacional de Afrodescendentes

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Nações Unidas vão apoiar as políticas públicas do Brasil e exigir do país a coleta
de dados estatísticos e coordenação geral para a implementação de ações
que possam eliminar a discriminação contra a população negra

Por Solon Dias

As Nações Unidas e o governo brasileiro lançaram, ontem à noite (22/7), em Brasília, a Década Internacional de Afrodescendentes. O coordenador da ONU no país, Jorge Chediek, afirmou que, o Brasil, com a segunda maior população negra do mundo, orientará o trabalho da instituição levando em conta as propostas dos afrodescendentes.

“A década mal está começando e acho que o mais desafiador é eliminar o racismo do coração das pessoas e, ao mesmo tempo, da cultura do país. É preciso reconhecer os irmãos afrodescendentes como contribuintes, mas também enxergar que merecem tratamento diferenciado pelo passivo histórico de exclusão e discriminação que têm sofrido por muitos séculos na América Latina e também no Brasil”, afirmou o representante da ONU.

Jorge Chediek considera que o resgate pode ser feito sem a perda dos olhares dos países membros da ONU sobre o histórico cruel de discriminação contra os afrodescendentes. Para ele, é impossível, organizar uma estratégia eficaz para mulheres negras sem considerar que o segmento, no campo do trabalho, recebe 50% do valor dos vencimentos de uma mulher branca no Brasil, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e confirmados pelo IBGE.

O representante da ONU citou a tragédia da violência contra jovens negros e afirmou que a Década Internacional de Afrodescendentes será o momento para reflexão sobre a tomada de decisões no campo legislativo, político e jurídico. Mas alertou que essas questões não devem ser apenas iniciativas governamentais. Elas têm que estar amparadas nas demandas da população negra.

A ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Nilma Lino Gomes, declarou que a construção da pauta será feita pela sociedade civil sob a coordenação da secretaria. Ela diz ter certeza de que o envolvimento dos movimentos sociais voltados para o combate ao racismo será importante para a implementação de políticas públicas que levem em conta os princípios do “reconhecimento, da justiça e do desenvolvimento” ― termos escolhidos para a composição do lema da década. “Caberá à Seppir, como órgão de coordenação, adotar os marcos jurídicos, as políticas e os programas de combate ao racismo, à discriminação racial, à xenofobia e à intolerância correlata enfrentados por afrodescendentes”, acrescentou a ministra.

Na solenidade, foi apresentada a vinheta da Década Internacional de Afrodescendentes. A animação está sendo usada na abertura de todos os filmes do Festival Latinidades, que ocorre no Cine Brasília, palco tradicional do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.Também foi apresentada a plataforma da Década (www.decada-afro-onu.org ― onde é possível acessar informações completas sobre a iniciativa, incluindo vídeos, fotos, notícias e eventos, no Brasil e em diversos países do mundo.

Metas e Declaração de Durban
Jorge Chediek informou que o Brasil está voltado para o estabelecimento das metas a serem instituídas no âmbito do programa multilateral organizado pela ONU. Em 2013, a assembleia geral aprovou a Resolução nº 68/237, que proclamou o período de 2015 a 2024 como a Década Internacional de Afrodescendentes. O objetivo principal é promover o respeito, a proteção e a realização de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais dos afrodescendentes, como reconhecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (A Década é a “oportunidade para reconhecer a contribuição significativa dos povos afrodescendentes às nossas sociedades”)

De acordo com dados colhidos por institutos brasileiros e internacionais, “pessoas afrodescendentes ainda têm acesso limitado a educação de qualidade, a serviços de saúde, à moradia e à segurança. A situação, não raro, permanece praticamente invisível “e pouco reconhecimento e respeito são dados aos esforços das pessoas de ascendência africana pra buscar compensação por sua condição atual”, revela comunicado das Nações Unidas

A Década Internacional de Afrodescendente, que termina em 31 de dezembro de 2024, prevê um programa de atividades para o período a ser implementado em vários âmbitos e em todo o mundo. “A Seppir é um órgão de imensas transversalidades. Por isso será fundamental o protagonismo de todos os agentes oficiais e da militância para atingir de maneira satisfatória as metas que, de certa forma já estão pré-definidas”, afirmou a ministra Nilma Lino em referência aos conteúdos da Resolução da ONU.

Exigências
No documento multilateral, o organismo internacional impõe aos países membros o envolvimento do setor privado, da sociedade civil e de todos os interessados na implementação conjunta do Programa de Atividades, que estabelece o tripé norteador das ações a serem instituídas.
Mudança de mentalidade

A tarefa não será fácil, mas a ministra Nilma Lino está otimista. Caberá à secretaria sensibilizar os atores envolvidos sobre a Declaração e Programa de Ação de Durban e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Para isso, a ONU vai ajudar o Brasil na implementação plena e efetiva de seus compromissos no âmbito da Declaração de Durban. A Seppir vai recolher dados estatísticos, incorporar os direitos humanos nos programas de desenvolvimento, além de honrar e preservar a memória histórica de pessoas afrodescendentes.

A esperança da ONU, de acordo com declarações de Nilma Lino e dos integrantes da Mesa no lançamento da Década Internacional, é ver uma mudança progressiva da mentalidade do conjunto da sociedade. Jorge Chediek foi enfático no fim da solenidade: “Confiamos em que, ao fim da década vamos dizer que a condição dos afrodescendentes tem melhorado expressivamente, tanto em termos econômicos e materiais como na redução dessa terrível tragédia que é o racismo”.

Cine Brasília: cerimônia de lançamento da Década de Afrodescendentes pela ONU (Foto: Solon Dias)

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